Na reportagem da Folha de SP, compartilhada logo abaixo, vemos um sério problema que envolve a relação entre políticas de revitalização urbana e justiça distributiva. A aplicação de princípios de sustentabilidade e gestão "verde" das cidades - que em si são práticas civilizadas - deveria ser acompanhada de uma sensibilidade habitacional para a diversidade social e étnica da cidade. Qualquer política de revitalização precisa vir acompanhada de políticas de afirmação da diversidade de formas de vida, sobretudo políticas que possibilitem a convivência entre populares de diferentes segmentos de classe e de cor. Para não correr o risco de gentrificar e escoar a população mais pobre para as franjas da cidade. A incorporação desse tipo de prática sem um estudo de impacto sobre a população residente pode gerar um efeito de "racismo" espacial, ainda que ancorado no discurso do "ambientalmente correto". Nós, da RAiZ POTiGUAR, acreditamos que a associação entre políticas de revitalização urbana e políticas de afirmação da diversidade social, étnica e racial torna possível cultivar um senso de comunidade e de solidariedade que integre todas as formas de viver no urbano - negras/negros, famílias de baixa renda e classe média, vivendo e compartilhando experiências comuns do cotidiano.
Por mais Ubuntu na vida das cidades!!!
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Áreas verdes em cidades expulsam
moradores mais pobres, diz sociólogo*
ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER
DE NOVA YORK
DE NOVA YORK
12/06/2016 02h00
Reparar que a grama do vizinho é mais verde nem sempre
indica inveja. Para o sociólogo Kenneth Gould, pode ser um atestado de
gentrificação.
"A ironia é que a indústria ecológica cria espaços
urbanos sustentáveis e é socialmente insustentável", diz o diretor do
programa de sustentabilidade urbana do Brooklyn College, da Universidade da
Cidade de Nova York. Pense numa vizinhança deteriorada que ganha parque, ciclovia
de "primeiro mundo" e comércio "natureba". Quem não iria
querer morar lá?
O problema é que o mercado imobiliário provavelmente chegou
à mesma conclusão que a maioria das pessoas. Com tanta procura, os preços
disparam. Os incomodados (em geral, da classe C para baixo) que se mudem.
É desse fenômeno que trata "Gentrificação Verde",
escrito por Gould e Tammy Lewis, também da Universidade da Cidade de Nova York
(o livro tem pré-venda na Amazon, por US$ 134,40). Gould recebeu a Folha no
Brooklyn, onde a "esverdeação" urbana vem expulsando antigos
moradores.
Daí vem o termo "racismo ambiental". Nesta região
de Nova York, a população branca encolheu 5% desde 1990 (em parte, pelo aumento
de hispânicos). O contrário ocorreu em enclaves verdes da área, como Prospect
Heights (109% mais branco).
Até os anos 1980, a má fama do Prospect Park (hoje 32%
embranquecido) o precedia. Tráfico de drogas, acampamento de moradores de rua,
roubos: o parque era farto de tudo o que horroriza a "gente de bem".
"As pessoas não andavam de um lado da calçada. Temiam ser 'puxadas' para
dentro [por criminosos]. Agora, tem um bocado de brancos passeando com suas
famílias." O aluguel no Prospect Park é salgado: o site especializado
Zumper mostra moradias de um quarto a partir de US$ 3.000 (R$ 11 mil).
Antes de se mudar para a residência do governo, o prefeito
de Nova York, Bill de Blasio, morava lá perto. O "New York Times"
descreve a vizinhança como ímã de "ciclistas que apreciam alimentação
orgânica". A pesquisadora Isabelle Angueloviski fala do "efeito
Whole Foods Market", rede famosa por produtos naturais e caros.
"Depois que uma loja deles abre numa região, os preços no mercado
imobiliário tendem a subir."
MINHOCÃO AMERICANO
O debate sobre transformar ou não o Minhocão
paulistano em um parque espelha o High Line Park, linha férrea em NY
que virou área de lazer suspensa a oito metros. A arquiteta Raquel Rolnik já se
referiu à intervenção como "uma espécie de 'superstar' do urbanismo".
Mas fez ressalvas com as quais Gould concorda. "Gentrificou a região
inteira", diz ele. Num prédio de 2016, o apartamento com cinco suítes e
vista para o High Line está à venda por US$ 50 milhões (R$ 180 milhões).
Para ser mais justa, diz Gould, uma cidade não precisa
abraçar seus tons de cinza. Uma solução: investir em moradias mistas. Exemplo:
uma construtora, ao erguer um edifício de luxo, é obrigada a reservar unidades
para baixa renda (mediante sorteio). O acordo deve anteceder à "revolução
verde", ou a ejeção de residentes pobres já estará em marcha, diz. Gould
reconhece que esse recurso funcionava melhor na "velha economia". Hoje
acontece de um jovem free-lancer, sem holerite para comprovar renda, descolar
um apartamento popular.
No livro, o professor cita outras alternativas ambientais,
como os corredores de ônibus na cidade de São Paulo, "que diminuem a
dependência do carro". "Nem tudo o que é verde gentrifica".
* Matéria publicada originalmente aqui: http://m.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/06/1780795-industria-verde-expulsa-morador-mais-pobre-diz-sociologo.shtml?cmpid=compfb
** A imagem acima foi extraída originalmente desse link: http://tab.uol.com.br/gentrificacao/