quinta-feira, 16 de junho de 2016

DIVER(CI)DADE: OCUPAR A POLÍTICA DE REVITALIZAÇÃO URBANA COM O ESPÍRITO UBUNTU


Na reportagem da Folha de SP, compartilhada logo abaixo, vemos um sério problema que envolve a relação entre políticas de revitalização urbana e justiça distributiva. A aplicação de princípios de sustentabilidade e gestão "verde" das cidades - que em si são práticas civilizadas - deveria ser acompanhada de uma sensibilidade habitacional para a diversidade social e étnica da cidade. Qualquer política de revitalização precisa vir acompanhada de políticas de afirmação da diversidade de formas de vida, sobretudo políticas que possibilitem a convivência entre populares de diferentes segmentos de classe e de cor. Para não correr o risco de gentrificar e escoar a população mais pobre para as franjas da cidade. A incorporação desse tipo de prática sem um estudo de impacto sobre a população residente pode gerar um efeito de "racismo" espacial, ainda que ancorado no discurso do "ambientalmente correto". Nós, da RAiZ POTiGUAR, acreditamos que a associação entre políticas de revitalização urbana e políticas de afirmação da diversidade social, étnica e racial torna possível cultivar um senso de comunidade e de solidariedade que integre todas as formas de viver no urbano  - negras/negros, famílias de baixa renda e classe média, vivendo e compartilhando experiências comuns do cotidiano. 

Por mais Ubuntu na vida das cidades!!!


Áreas verdes em cidades expulsam moradores mais pobres, diz sociólogo*
ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER
DE NOVA YORK
12/06/2016 02h00
Reparar que a grama do vizinho é mais verde nem sempre indica inveja. Para o sociólogo Kenneth Gould, pode ser um atestado de gentrificação.
"A ironia é que a indústria ecológica cria espaços urbanos sustentáveis e é socialmente insustentável", diz o diretor do programa de sustentabilidade urbana do Brooklyn College, da Universidade da Cidade de Nova York. Pense numa vizinhança deteriorada que ganha parque, ciclovia de "primeiro mundo" e comércio "natureba". Quem não iria querer morar lá?
O problema é que o mercado imobiliário provavelmente chegou à mesma conclusão que a maioria das pessoas. Com tanta procura, os preços disparam. Os incomodados (em geral, da classe C para baixo) que se mudem.
É desse fenômeno que trata "Gentrificação Verde", escrito por Gould e Tammy Lewis, também da Universidade da Cidade de Nova York (o livro tem pré-venda na Amazon, por US$ 134,40). Gould recebeu a Folha no Brooklyn, onde a "esverdeação" urbana vem expulsando antigos moradores.
Daí vem o termo "racismo ambiental". Nesta região de Nova York, a população branca encolheu 5% desde 1990 (em parte, pelo aumento de hispânicos). O contrário ocorreu em enclaves verdes da área, como Prospect Heights (109% mais branco).
Até os anos 1980, a má fama do Prospect Park (hoje 32% embranquecido) o precedia. Tráfico de drogas, acampamento de moradores de rua, roubos: o parque era farto de tudo o que horroriza a "gente de bem". "As pessoas não andavam de um lado da calçada. Temiam ser 'puxadas' para dentro [por criminosos]. Agora, tem um bocado de brancos passeando com suas famílias." O aluguel no Prospect Park é salgado: o site especializado Zumper mostra moradias de um quarto a partir de US$ 3.000 (R$ 11 mil).
Antes de se mudar para a residência do governo, o prefeito de Nova York, Bill de Blasio, morava lá perto. O "New York Times" descreve a vizinhança como ímã de "ciclistas que apreciam alimentação orgânica". A pesquisadora Isabelle Angueloviski fala do "efeito Whole Foods Market", rede famosa por produtos naturais e caros. "Depois que uma loja deles abre numa região, os preços no mercado imobiliário tendem a subir."

MINHOCÃO AMERICANO

O debate sobre transformar ou não o Minhocão paulistano em um parque espelha o High Line Park, linha férrea em NY que virou área de lazer suspensa a oito metros. A arquiteta Raquel Rolnik já se referiu à intervenção como "uma espécie de 'superstar' do urbanismo". Mas fez ressalvas com as quais Gould concorda. "Gentrificou a região inteira", diz ele. Num prédio de 2016, o apartamento com cinco suítes e vista para o High Line está à venda por US$ 50 milhões (R$ 180 milhões).
Para ser mais justa, diz Gould, uma cidade não precisa abraçar seus tons de cinza. Uma solução: investir em moradias mistas. Exemplo: uma construtora, ao erguer um edifício de luxo, é obrigada a reservar unidades para baixa renda (mediante sorteio). O acordo deve anteceder à "revolução verde", ou a ejeção de residentes pobres já estará em marcha, diz. Gould reconhece que esse recurso funcionava melhor na "velha economia". Hoje acontece de um jovem free-lancer, sem holerite para comprovar renda, descolar um apartamento popular.
No livro, o professor cita outras alternativas ambientais, como os corredores de ônibus na cidade de São Paulo, "que diminuem a dependência do carro". "Nem tudo o que é verde gentrifica".

* Matéria publicada originalmente aqui: http://m.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/06/1780795-industria-verde-expulsa-morador-mais-pobre-diz-sociologo.shtml?cmpid=compfb

** A imagem acima foi extraída originalmente desse link: http://tab.uol.com.br/gentrificacao/

segunda-feira, 6 de junho de 2016

CONSENSO PROGRESSIVO, POLÍTICAS PÚBLICAS E NOVOS IDEAIS DE JUSTIÇA

Por Adson Kepler*

Esta breve opinião busca demonstrar a importância dos paradigmas[1] e da construção progressiva de consensos no aperfeiçoamento ou na quebra deles. Isso dentro do atual cenário mundial de crises econômicas, conflitos políticos e rupturas epistemológicas, para a construção de políticas públicas. Quando aqui falamos de rupturas epistemológicas leia-se o sentido dado tanto por Foucault como por Kuhn.

Na construção de propostas de diretrizes norteadoras de qualquer política pública, bem como sua gestão e avaliação pelo governante e pela comunidade frequentemente caímos nas armadilhas dos dogmas ideológicos de vários espectros da política tradicional. O processo de superação desses dogmas da modernidade será demorado e complexo, mas é extremamente necessário. Não se trata aqui do discurso do senso comum de uma neutralidade impossível, ficcional e inexistente em qualquer parte. O crescimento nos últimos anos do libertarismo de esquerda e de direita comprova o desejo coletivo de superação dos erros políticos do passado, mas conscientes da inexistência da neutralidade tão propalada pelo senso comum das manifestações de insatisfação política. A adversidade a ser superada é a adversidade dogmática, não a diversidade do pluralismo político de ideias.

Longe das afirmações de moralismo seletivo, do denuncismo abúlico ou irrefletido de qualquer viés político, percebe-se que um dos mais difíceis dogmas a serem superados é o do pragmatismo ético que diz que “os fins justificam os meios” e é um dos principais causadores da corrupção política nos países desenvolvidos e também nos países de industrialização tardia, a exemplo do Brasil, onde, por vezes, só a ausência de acesso a educação de qualidade não são os motivos determinantes desse mal social. Não são poucos os corruptores e corrompidos de alta qualificação profissional e educacional.

Não se fazem leis e políticas públicas sem diretrizes de pensamento e é preciso construir, através do consenso progressivo, o pensamento mais adequado a sustentabilidade da sociedade em seu meio ambiente. Essa tarefa não é fácil, mas é possível. Vejamos com bons olhos a ação direta e coletiva de cidadãos em busca da construção dessa nova forma de se lidar com a política, rejeitando-se a atual cartelização dos partidos, dos espaços de poder e de seus instrumentos de financiamento. Rejeitando-se, na mesma esteira, a deturpação dos fins dos sindicatos, outrora voltados para os trabalhadores e para mudanças efetivas. Por fim, resgatando a importância dos movimentos sociais e rejeitando qualquer tentativa de imposição de um pensamento único contra a própria liberdade de se pensar.



No livro “Uma Questão de Princípio” o jusfilósofo Ronald Dworkin defende uma sociedade que encoraja cada indivíduo a supor que suas relações com outros cidadãos e com o governo são questões de justiça e o encoraja, assim como a seus concidadãos, a discutir como comunidade o que a justiça exige que sejam essas relações. Para o autor a democracia e o Estado de Direito não são conflitantes. Esses dois importantes valores políticos estão enraizados em um ideal mais fundamental, o de que qualquer governo aceitável deve tratar as pessoas como iguais. O Estado de Direito, na concepção de Dworkin, enriquece a democracia ao acrescentar um fórum independente, um fórum do princípio, e isso é importante, não apenas porque a justiça pode ser feita ali, mas porque o fórum confirma que a justiça é uma questão de direito individual, não, isoladamente, uma questão do bem público. Dworkin defende uma teoria liberal abrangente (para outros, alternativa) onde a liberdade, igualdade e comunidade fazem parte de um único ideal político, daí o respeito ao pluralismo presente numa sociedade democrática.

  A ênfase que Dwokin dá a igualdade é, na nossa visão, incompatível com qualquer tipo de "libertarismo" que enfatize somente a liberdade individual. A ênfase exclusiva na liberdade individual é um retrocesso do ponto de vista das três dimensões sócio-políticas da Revolução Francesa (liberdade, igualdade e fraternidade). Porém, percebe-se que até hoje não se conseguiu equilibrar essas três dimensões na França ou em qualquer parte do Mundo. O crescimento do libertarismo, tanto de esquerda como de direita é um avanço do ponto de vista da superação de dogmas cansados e de vestes gastas pelo uso e desuso.

Nada impede, na construção de uma nova visão política, se buscar uma síntese entre o pensamento liberal de Dworkin e de outros autores de variadas matizes (marxistas, pós-marxistas, weberianos, etc.). A nova esquerda tem se inspirado muito na análise crítica e construções do cientista político espanhol Juan Monedero, mas ainda está em processo de construção. Não há um norte definido para resgatar a legítima utopia, mas ela está latente em todos nós.

Se o pensamento de esquerda significa estar desde a Revolução Francesa do lado esquerdo das assembléias, defendendo os interesses dos excluídos em conflito com os interesses dos que estão no andar de cima (à direita das assembléias), é preferível esse pensamento como diretriz, como norte, mas o problema é que ele não pode ser jamais considerado único nem infalível. Deve estar em constate processo de construção e adaptação como qualquer "ciência", porquanto a capacidade de adaptação e melhoria é uma característica que liga qualquer software de computador a qualquer sistema social.

Também não se trata de resgatar o social-liberalismo de Bobbio ou algo que se convencionou chamar neoliberalismo. Busca-se o que realmente será moderno quando superado o anacronismo da atual modernidade. Não se pode confiar em soluções pensadas exclusivamente em gabinetes ou salas de aula. Qual nome daremos a nova visão? Não é fácil nem prudente rotular a ação direta e horizontal do povo reunido para encontrar a solução de seus verdadeiros problemas, ao invés de esperar a solução de seus governantes.

Para se construir políticas públicas realmente modernas e eficazes não bastam equipamentos tecnológicos, tecnologia de informação, técnico dos processos de gestão, etc. É preciso também construir os processos democráticos de decisão e participação. Construir os fluxos da democracia com a mediação, conforme nos ensina Habermas, do direito e de seus sistemas de aplicação da lei.

A necessidade de mediação do direito reconhecida por Habermas depois dos anos 90 é imprescindível para a estabilidade do processo de transformação social com o mínimo de respeito a direitos fundamentais como a vida, a liberdade de expressão e de imprensa, o devido processo legal, dentre outros direitos considerados universais.

As políticas públicas são os instrumentos capazes de mudar para melhor a vida das pessoas e estabelecer o bem-viver pretendido por todos. Já há consenso sobre isso na maioria das democracias. Porém, elas precisam de um rumo dado pela sociedade, pelas pessoas que realmente precisam ser beneficiadas e não exclusivamente pelas agências multilaterais. Vivemos em tempos difíceis onde sobra crise e falta democracia onde o povo realmente decida.

* Especialista em Ética, profissional de Segurança Pública no RN e colaborador da RAiZ POTiGUAR. 


[1] Thomas Kuhn é um físico célebre por suas contribuições à história e filosofia da ciência em especial do processo que leva à evolução do desenvolvimento científico, designou como paradigmáticas as realizações científicas que geram modelos que, por períodos mais ou menos longos e de modo mais ou menos explícito, orientam o desenvolvimento posterior das pesquisas exclusivamente na busca da solução para os problemas por elas suscitados.

quinta-feira, 19 de maio de 2016

A IMPORTÂNCIA GEOPOLÍTICA DO MINISTÉRIO DA CULTURA


Na França, o ideal de democratização da cultura nasceu da aspiração à afirmação republicana do princípio de igualdade entre os cidadãos. Foi esse mesmo ideal de democratização da cultura que constituiu a principal fonte de justificação e legitimidade da existência de políticas culturais na França. De fato, o grau de democratização da cultura tornou-se o principal referente de julgamento e avaliação das políticas culturais. E desde a década de 1950, a evolução das práticas culturais tornou-se assunto de interesse de Estado na França, resultando no financiamento público de sondagens longitudinais sobre as práticas culturais dos franceses. 

Na Alemanha, também, a relação entre Cultura e Política foi tratada como uma questão de projeto de Nação. Os alemães enxergavam na valorização da sua história cultural a fonte de sua autolegitimação e justificação de seu orgulho como Cultura Nacional. Segmentos letrados da classe média alemã do século XVIII compreendiam o florescimento da literatura, das artes e da filosofia como um modo de se construir e se perceber como nação singular e culturalmente autêntica.

Posto isso, é lamentável o modo como alguns tem justificado o fim do Ministério da Cultura no Brasil. Defendem que o MinC servia apenas para fornecer dinheiro aos artistas e produtores culturais. Uma interpretação completamente distorcida e ignorante sobre o papel das políticas culturais no Brasil.

A gestão de Juca Ferreira no MinC, com todas as dificuldades financeiras, representava um avanço, principalmente pelo trabalho de inventário e visibilidade nacional da diversidade de coletivos culturais e das práticas culturais de diferentes comunidades populares e tradicionais. Se tratava de uma política cultural que, no futuro próximo, possibilitaria mudanças no sentido de refazer e atualizar nossa autocompreensão de quem nós somos como "brasileiros". 

Esse papel de construção e atualização da identidade nacional não pode ser feito pelos dispositivos de mercado, pois sua lógica é de curto prazo. E descobrir e explorar novas potencialidades de uma cultura demanda muito tempo e demanda um princípio de simetria estranho ao modo de produção e circulação monetária da cultura. 

A visibilidade nacional da diversidade cultural é fundamental para qualquer Estado-Nação, pois permite constituir um patrimônio de práticas, valores e crenças que podem oferecer um rico potencial semântico de inovação civilizatória. O Brasil tem uma riqueza cultural que é geopoliticamente estratégica em relação ao restante do mundo e não pode mais negligenciá-la como fez no passado. Qualquer projeto de Nação envolve a construção permanente atualização de uma identidade nacional imaginada. E a existência de uma política cultural nacional é pré-requisito para isso.  




sábado, 14 de maio de 2016

OS RISCOS CIVILIZATÓRIOS DA FLEXIBILIZAÇÃO E TERCEIRIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL

No Brasil, conforme literatura especializada, a precariedade do trabalho sempre fez parte da rotina de vida de milhares de trabalhadores das classes populares (mudança de empregos ao longo da trajetória de vida, salários baixos e relações de exploração da força de trabalho). Condições precárias nos mercados de trabalho que deixam feridas e marcas significativas na estrutura de personalidade das trabalhadoras e trabalhadores. Além da condição de vulnerabilidade e insegurança no emprego, também é comum a dificuldade de se constituir um “sentido de narrativa biográfica” coerente, somente possível em circunstâncias em que somos capazes de nos projetar no futuro, isto é, de se imaginar em determinado “lugar” depois de 30 anos de trabalho. Com a eliminação da experiência da rotina no trabalho, consequência da crescente flexibilização, se torna mais difícil a articulação de uma narrativa biográfica e, com efeito, se cria um contexto institucional gerador e ativador de sentimentos de insegurança, baixa autoestima, desconfiança e má consciência.

Como se sabe, uma das faces da precariedade das relações de trabalho é a terceirização. E são muitos os efeitos negativos da terceirização na vida das trabalhadoras e trabalhadores. Além de gerar um contexto objetivo de vulnerabilidade e alta rotatividade no emprego, como já assinalado, também resultam na ampliação da experiência de perda de sentido de narrativa. Pelo menos é isso o que tem demonstrado muitas pesquisas empíricas desenvolvidas sobre as consequências emocionais do processo de crescente flexibilização das relações de trabalho.

Nos EUA, por exemplo, os trabalhos desenvolvidos pelo sociólogo Richard Sennett tem apresentado uma radiografia sombria das experiências pessoais de trabalhadores e trabalhadoras que vivenciaram as transformações na organização interna do trabalho desde os anos 80 do século XX. Além da dificuldade de constituir uma narrativa de vida, também a impossibilidade de estabelecer relações de confiança no contexto do trabalho, fragilidade dos laços de compromisso na sociabilidade familiar, uma vez que os pais acumulam expectativas frustradas no ambiente do trabalho, e, sobretudo, a ampliação do sentimento de deriva num mundo enxergado e percebido como cada vez mais hostil.

Na Europa, também são abundantes os estudos de psicologia e sociologia do trabalho que descrevem as consequências corrosivas do processo de flexibilização das relações de trabalho no tecido social. A obra “O Novo Espírito do Capitalismo” dos sociólogos franceses Luc Boltanski e Ève Chiapello ainda é uma importante referência dos estragos sociais provocados pela flexibilização. O aumento de indicadores “anomia” ou “desagregação dos elos sociais” é um efeito recorrente da nova configuração flexível do trabalho: aumento de casos de dificuldade de sociabilidade, isolamento pessoal e depressão, e aumento das taxas de suicídio.   

Concretamente, as experiências corrosivas nas relações de trabalho nas sociedades europeias e do Atlântico Norte, vivenciadas desde a década de 1980, frustram e refutam as expectativas e promessas de bem-estar daqueles que justificam a necessidade de flexibilização das relações de trabalho. O que a experiência europeia e estadunidense tem nos ensinado é a imoralidade de se propor reformas desse tipo sem um mínimo de reflexividade sobre as reais perdas e ganhos de tais mudanças organizacionais.


 No Brasil, as experiências de sofrimento emocional, provocadas pela flexibilização das relações de trabalho, deveriam ser consideradas em toda e qualquer proposta governamental de ampliação dos dispositivos que regulamentam as práticas de flexibilização das relações de trabalho, a exemplo da terceirização de atividades “meios” e “fins”. Ignorar totalmente essas experiências negativas da flexibilização nas sociedades europeias e nos EUA é uma atitude ideológica e irresponsável para com o bem comum coletivo da população brasileira. Quando ministros de estado resolvem apresentar agendas de reformas, sem o devido debate público qualificado com a sociedade em torno dos seus impasses e contradições, mostram a sua face mais autoritária e antidemocrática. Sem nenhuma vergonha ou senso republicano, Temer e seus ministros apenas informam a sociedade brasileira sobre seus atos de governo. Atos de governo com sérias consequências nas vidas de milhões de brasileiros. 

quinta-feira, 12 de maio de 2016

TEMER E O SEQUESTRO DO ESTADO DE DIREITO PLURIÉTNICO BRASILEIRO



Nas democracias liberais uma importante condição de legitimidade social dos governos é o sentimento republicano compartilhado de representação política dos membros de sua comunidade societária. No Brasil, uma sociedade caracterizada pela crescente pluralização cultural e étnica, negligenciar a dimensão da diversidade pode ampliar ainda mais o sentimento coletivo de ilegitimidade do poder político. O governo Temer que se inicia hoje parece ignorar completamente a configuração multicultural da sociedade brasileira. Em seu primeiro ato como governante do executivo federal, constituiu sua equipe ministerial, formada exclusivamente por homens, velhos e brancos. Com esse primeiro gesto, Temer ratificou publicamente a interdição de mulheres, negros, jovens e demais grupos pluriculturais ao espaço de decisão pública do país. E ao extinguir a secretaria nacional das mulheres e da igualdade racial, invisibilizou ou secundarizou as demandas de justiça da política da diferença no Brasil.

E como bem colocado pelo filósofo político estadunidense Michael Sandel, não se pode exigir o compromisso cívico de cidadãos e cidadãs que não se reconhecem como membros integrados de uma comunidade política. Décadas atrás, outro intelectual liberal estadunidense, o sociólogo Talcott Parsons, expressava opinião semelhante sobre as condições de integração social dos negros na sociedade do Atlântico Norte. Negar o direito de participação com status de membros (mulheres, LGBTI, jovens, negros, índios) da comunidade política inviabiliza o sentimento de comunhão nacional. E não adianta recorrer ao artificio performático de sensibilização “nacionalista” pelo chamado marqueteiro de “ordem e progresso”. Não se forjam sentimentos de comunhão nacional nesses termos. Principalmente numa das sociedades mais pluriculturais e interculturais do planeta.


Em seu primeiro dia de governante, Temer, o jurista e constitucionalista, “suprimiu” publicamente um dos bens de civilização mais elevados da Constituição Federal de 1988: o reconhecimento do Estado brasileiro como Estado de Direito Pluriétnico.       

quarta-feira, 11 de maio de 2016

RAiZ POTiGUAR OU COMO SE DEVE AGIR PARA PODER SER


Uma vida sem fala e sem ação é literalmente morta para o mundo
Hannah Arendt in A condição humana



Tem se ampliando na última década a compreensão compartilhada de que precisamos repensar nossa forma de se relacionar com a política. Principalmente a medida que cresce o entendimento sobre a diversidade de modos de vida e de aspirações de autorrealização. Na nova configuração multicultural das sociedades, não é mais possível insistir numa visão de mundo homogênea e individualista que nega a diversidade social. Isso porque nossa compreensão de quem nós somos envolve sempre uma relação de alteridade. Nossa identidade é construída em diálogo permanente com outros (humanos, animais, meio ambiente, tecnologias). Não por acaso, essa compreensão dialógica e comunitária do ser e da vida recebeu diferentes articulações nas sociedades humanas. Na cultura ocidental, articulamos o termo zoo politikon (animal político) para expressar a nossa condição de seres irredutivelmente "sociais", isto é, cuja própria existência se realiza na interação comunitária. Também nas culturas africanas, encontramos simetria de significado na expressão Ubuntu (Sou o que sou porque nós somos). 

No contexto da política moderna, no entanto, ela parece ter sido esquecida ou secundarizada por uma outra compreensão do sentido da política, mais identificada com a “gestão econômica da vida”. A consequência (política) foi a difusão e hegemonia de uma racionalidade econômica que nega ou coloniza a vida, estreitando o horizonte de possibilidades do futuro. Contra esse empobrecimento da política contemporânea se faz necessário um retorno às raízes dos seus sentidos clássicos. Sobretudo, para reaprender a fomentar a prática política como ratificação da compreensão comunitária do “ser” e da vida. 

É essa a fonte moral e espiritual que fundamenta a RAiZ POTiGUAR: O projeto de construção coletiva de uma política da vida comunitária. Onde bens sociais como liberdade, autonomia, justiça, igualdade e autenticidade são percebidos como “bens de civilização”, portanto, aspirações legítimas de todas as formas de vida (étnicas, raciais, religiosas, sexuais e de gênero).

Neste mesmo dia em que a coruja de Minerva se prepara para alçar mais uma vez o seu voo após o crepúsculo da velha política brasileira, a RAiZ POTiGUAR também inicia a sua inserção na esfera pública do Rio Grande do Norte.Seu paradigma não é o da "política daquilo que era", mas o da "política daquilo que faz". 

*Imagem publicada originalmente aqui